11.4.11

ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO.

Conheci a poesia de Hilda Hilst há 5 anos.  E desde lá ela me enche de encantamento. Uma poetisa Campineira que deixou uma bela obra que vale muito a pena ser conhecida.



I
É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.
Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.


II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.


III
A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta

Por que recusas amor e permanência?
VI
Três luas, Dionísio, não te vejo.
Três luas percorro a Casa, a minha,
E entre o pátio e a figueira
Converso e passeio com meus cães

E fingindo altivez digo à minha estrela
Essa que é inteira prata, dez mil sóis
Sirius pressaga

Que Ariana pode estar sozinha
Sem Dionísio, sem riqueza ou fama
Porque há dentro dela um sol maior:

Amor que se alimenta de uma chama
Movediça e lunada, mais luzente e alta

Quando tu, Dionísio, não estás.
VIII
Se Clódia desprezou Catulo
E teve Rufus, Quintius, Gelius
Inacius e Ravidus

Tu podes muito bem, Dionísio,
Ter mais cinco mulheres
E desprezar Ariana
Que é centelha e âncora

E refrescar tuas noites
Com teus amores breves.
Ariana e Catulo, luxuriantes

Pretendem eternidade, e a coisa breve
A alma dos poetas não inflama.
Nem é justo, Dionísio, pedires ao poeta

Que seja sempre terra o que é celeste
E que terrestre não seja o que é só terra.


IX
           “Conta-se que havia na China uma mulher
   belíssima que enlouquecia de amor todos
   os homens. Mas certa vez caiu nas
   profundezas de um lago e assustou os peixes.”


Tenho meditado e sofrido
Irmanada com esse corpo
E seu aquático jazigo

Pensando
Que se a mim não deram
Esplêndida beleza
Deram-me a garganta
Esplandecida: a palavra de ouro
A canção imantada
O sumarento gozo de cantar
Iluminada, ungida.

E te assustas do meu canto.
Tendo-me a mim
Preexistida e exata

Apenas tu, Dionísio, é que recusas
Ariana suspensa nas tuas águas.


X
Se todas as tuas noites fossem minhas
Eu te daria, Dionísio, a cada dia
Uma pequena caixa de palavras
Coisa que me foi dada, sigilosa

E com a dádiva nas mãos tu poderias
Compor incendiado a tua canção
E fazer de mim mesma, melodia.

Se todos os teus dias fossem meus
Eu te daria, Dionísio, a cada noite
O meu tempo lunar, transfigurado e rubro
E agudo se faria o gozo teu.

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